CAPRI, C’EST PAS FINI!
Não acho normal que nunca ninguém me tenha perguntado o que pediria para comer se eu estivesse à espera do Fim no corredor da morte. É uma daquelas perguntas-cliché que se faz a qualquer pessoa interessada em comida. Acho eu. Os clichés a mim inspiram-me. Enerva-me quando as pessoas evitam usá-los comigo. Fartinho de responder a perguntas cuja resposta, na verdade, ninguém quer saber: se a gastronomia é ou não é uma arte, por exemplo. Chega. A sério, perguntem-me à vontade coisas do tipo “Que bolo de pastelaria és tu?”, “Para se cozinhar bem, é preciso mais técnica ou mais amor?”, “Que prato confeccionar quando ‘a’ convidas para jantar em tua casa pela primeira vez?”, ou “Gazpacho andaluz ou gaspacho alentejano?”. Sei lá, qualquer merda que dê para aparecer na Dica da Semana ou no jornal Metro, ilustrada com fotografia pixelada e uns (risos)
pelo meio. Sim, eu gostava muito que me perguntassem pela minha “last meal”. Nunca perguntaram. Uso este meu espacinho para fazer de conta: “Rogério, diga-me, se tivesse que escolher a sua última refeição, qual seria?”. “Ora aí está uma pergunta…” Simples: tomate, mozzarella e manjericão, essa excelsa combinação que imortalizou Capri e depressa se transformou no ex-libris da gastronomia italiana. Pizzas e massas são de todo o Mundo, a caprese
é só de Itália! Podia elencar uma ou muitas razões que me fazem gostar tanto de uma caprese
, mas o mais provável é que a estagiária do suplemento cultural da gazeta em questão tenha que cortar porque “não cabe”, ou então esquarteja-me o pensamento até só restar: “…porque é leve e saudável, sobretudo quando é feita com ingredientes super-frescos”. Ainda que a Vergonha Alheiaseja o novo avant-garde, gosto de poupar-me a certos vexames. Vamos por isso ao que interessa. Para uma caprese
não há receita; basta olhar para a imagem e está lá tudo dito: fatias de tomate, fatias de mozzarella, folhas de manjericão, azeite, balsâmico, pimenta, sal. Agora, para uma excelente
caprese
há alguns “truques” que posso partilhar:
- Tomates maduros, mas firmes, preferencialmente de cacho (os “chucha”, lol, também são fixes); escusado será dizer que fazer isto fora da season dos tomates é pecaminoso.
- Mozzarella de excelente qualidade e com a gordura toda (vi recentemente uns low fat numa grande superfície badalhoca qualquer e dei um grito tão grande que se ouviu no bunker do Belmiro de Azevedo); e depois é um pouco irrelevante se é de burra, de búfala ou de pata choca. Tem é que ser produto italiano de Itália.
- Tomates e mozzarella devem ser cortados em fatias com um diâmetro o mais parecido possível e sobrepostas como mostra a figura. Só assim fica bom. Se forem agora ao Google Images vão encontrar 30 mil variações paneleiras diferentes de empratamento — tudo merda. Escolham um prato semi-fundo, e tentem arranjar maneira de completar o prato todo e entalar tomates e mozzarella em modo sardinha em lata.
- Antes disso, porém, cubram o fundo com azeite (este pode ser português de Portugal, que é o melhor), balsâmico (Modena, certo?, certo!), umas pedritas de sal e outras de pimenta preta do moinho. Por razões estritamente estéticas, não gosto de atirar com vinagre para cima da salada.
- Manjericão: fresquíssimo. Usar as folhas INTEIRAS! (cortar aquelas que parecem grandes em duas metades é moralmente tão grave quanto esfolar um coelhinho vivo).
- O ponto 4. é importante sobretudo se quiserem fazer a salada com alguma antecedência. Na hora de servir, é só terminar com mais azeite. E mais sal, claro. Recomendo a flor de sal, mas não é de todo obrigatório. Só assim garantem que a salada não fica com ar de ressuscitada ao terceiro dia conforme as escrituras.
- Comer no fim como se fôssemos receber a injecção letal a seguir. Não sugiro nada para acompanhar; vai bem com tudo.
© Chef Rø , 2014









