itinerário
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aka Ulysses
aka Nostophobia
GEOLOGIA
GEO/GENEALOGIA
DE UM REGRESSO A CASA
Concluindo um tríptico de performances retrospetivas iniciado em "Missed-en-Abîme" (2021) e continuado em "Lamento Imenso" (2023),
Itinerário é o espetáculo-protótipo resultante de um laboratório experimental de investigação nas interseções entre arte, ciência e tecnologia que, durante os últimos três anos, juntou Rogério Nuno Costa a investigadores da teoria dos media, dos estudos de performance e das ciências ambientais. A partir de um trabalho inter(in)disciplinado de inventariação especulativa de modos e procedimentos de criação sensíveis às ideias de sustentabilidade, pegada ecológica e impacto territorial, o projeto revisita "Vou A Tua Casa", performance para espaços domésticos que, em 2003, já havia previsto e testado operações ecologicamente sustentáveis para a criação e apresentação de espetáculos.
Itinerário propõe um exercício radical, quiçá trágico, de reativação dessas operações, só que num tempo fora do tempo, e num espaço que já não é uma casa, ou nunca foi: o Teatro, simultaneamente a arte e o edifício. Noções como as de refúgio, exílio, perdição, mas também invasão, imersão e suspensão, obsessivamente trabalhadas em "Vou A Tua Casa", serão aqui re-mapeadas e re-analisadas à luz de novas urgências, especulando-se a possibilidade da sua atualidade e da sua continuidade, mas também da sua eventual expiração. Um percurso e o seu negativo, quiçá um fim. Ancorado numa reflexão simultaneamente crítica e alegórica das relações e fricções entre teatro, lugar e ubiquidade,
Itinerário será construído através de um processo nómada de escrita epistolar a realizar no decurso de uma viagem lenta entre Helsínquia (onde o artista vive) e Lisboa (onde o artista deixou de viver): a circularidade e a impermanência como condomínio. Ou um regresso a casa a corresponder, em espelho e em desaceleração de partículas, a um regresso ao futuro.

Ensaio Aberto
O arranque do processo de investigação ocorreu no início de 2023, com um primeiro workshop que me juntou Rogério Nuno Costa aos cientistas/investigadores Aida Castro (arte e tecnologia) e Manuel Bogalheiro (ciência e teoria dos media). O objetivo estrutural desse encontro terá sido a partilha e discussão de referências, processos e eventuais/potenciais materializações artísticas (obras e ideias) com o intuito de se encontrar um espaço comum de trabalho investigativo e especulativo que respondesse às premissas basilares do projeto STAGES - Sustainable Theatre Alliance for a Green Environmental Shift. As sessões foram preparadas e realizadas de forma horizontal, seguindo o interesse comum dos intervenientes por áreas de ação que co-existem nas interseções entre Arte, Ciência e Tecnologia. Serviu de ‘case study’ para as sessões, entre outras referências trans-históricas, o trabalho performativo “Vou A Tua Casa” (2003-2006), que propõe uma reflexão crítica das relações entre teatro, lugar e ubiquidade. Esse trabalho terá antecipado procedimentos ecologicamente sustentáveis que nos interessou re-pensar e debater 20 anos depois, agora à luz de um entendimento expandido dos estudos e teoria dos media, ao mesmo tempo problematizando, entre outras questões, a falácia do digital enquanto alternativa ‘verde’. Interessou-nos também elaborar um pensamento
performatizável em torno do impacto ecológico da cultura digital, na sua relação com o teatro, a partir de binómios como materialidade/imaterialidade e presença “pura”/presença mediada. Por último, imaginar e projetar a incubação (futura) de uma peça-protótipo que se produza, apresente e dissemine através de modelos de trabalho eco-conscientes. O processo de investigação desembocaria numa apresentação-demonstração-discussão, em formato
open lab, que se previa participativa e inter(in)disciplinada. "Ensaio Aberto" foi partilhado no Teatro Jordão, em Guimarães, no contexto do programa CENÁRIOS PASSADOS do Teatro Nacional D. Maria II.
Em 2024, o processo de investigação continuaria com novas perspetivas, desta vez por via da inclusão de duas investigadoras com trabalho nas áreas das ciências ambientais, governação e sustentabilidade: Sara Moreno Pires e Alexandra Polido. Esta segunda fase ocorreu no decurso de uma residência na Incubadora Cultural de Águeda, concluindo com mais um momento público (open lab) que introduziria o subtítulo que acabaria por seguir para o espetáculo: geologia de um regresso a casa. À reflexão crítica da fase anterior juntou-se uma nova indagação em torno do conceito de mobilidade e hospitalidade "radicais". Uma discussão que se pretendeu participativa e inter(in)disciplinada em torno de uma criação teatral em andamento e numa relação ao mesmo tempo objetiva e poética com as ideias de sustentabilidade, pegada ecológica e impacto territorial.
Itinerário
Este trabalho coincide com uma análise crítica e pós-disciplinar do meu percurso artístico, arriscando a reinvenção da sua história e, ao aceitar/confrontar um dogma eco-consciente, também a previsão da sua sustentabilidade futura. O desdobramento de ontologias a partir da análise de uma antologia levou-me à escrita de uma ode ao regresso às origens como possibilidade (falhada) de recomeço e reparação. Ou: como exercitar a hospitalidade em tempos de crise climática.
ITINERÁRIO é o resultado de um processo nómada de escrita epistolar a empreender durante uma lenta viagem entre Helsínquia (onde vivo) e Lisboa (onde vivi), que inspirou a escrita de uma odisseia nostofóbica, tragicomicamente executada através do abrandamento, do repouso, da contemplação e da divagação. Também da errância e da perdição. Por esta razão, o "texto" resultante ambiciona a justaposição de duas direções contraditórias: a busca enganadora de um novo começo ("não há passado...") e a promessa frustrada de reparação ("não há futuro..."). Examinando noções como hospitalidade, isolamento e afiliação, mas também impermanência e circularidade, o projeto pretende potenciar a criação de espaço (e tempo) de indagação inter-relacional para que possamos "pensar e agir coletivamente contra a ditadura do tempo", roubando o subtítulo ao livro de de André Barata: "E se parássemos de sobreviver?" (Documenta, Sistema Solar, 2018).
Na sua não-objetualidade e na sua auto-referencialidade meio kosuthiana, a peça será, em útima instância, sobre a informação que se perdeu algures no espaço que separa emissor de recetor. Sobre tudo o que ficou por dizer, o que não fomos sequer capazes de proferir, o que lemos ao contrário, o que interpretámos mal. Uma ausência, uma invisibilidade — ou deveria dizer in-visualidade? Faz parte do pacto inicial que me auto-impus essa recusa (ou vontade de recusa) de criar um objeto passível de ser exposto/apresentado/performado, todos os dias da mesma forma. Itinerário é um impulso. E, em última instância, um convite a um exílio (est)ético. Porque tenho mesmo muitos problemas (bons e maus) com os processos de inspiração e, de uma maneira geral, com toda a lógica dos trabalhos realizados a partir de, Itinerário não será sustentável, antes apresentado (pensado, criado, escrito...) sustentavelmente
Condomínio
Uma aventura assim com contornos quase épicos (no sentido grego da palavra e em proporção ao tamanho do meu nariz). A experiência foi experiencial e foi experimental. É sempre. E nómada, condição invariável da minha vida, a artística e as outras todas. Durante 50 dias, a minha sala de ensaios foi o ferry, o comboio e o autocarro, mas também os teatros que fazem parte da rede STAGES, em concreto as suas salas de produção, os seus corredores, bastidores, centros de documentação, livrarias e bilheteiras, e depois também as cidades, em concreto as estações, as paragens e os interfaces (toda uma metáfora rogeriana). Só sei trabalhar com a memória, nem sempre vívida, nem sempre feliz, dos sítios que me lembro de ter habitado, e das pessoas que entretanto se perderam no mapa. Ah, e as casas, claro, muitas. Desde 2003 a ir, a chegar e a vir embora. Nunca a ficar. Mais do que uma viagem "sustentável" entre a casa onde vivo e a casa onde deixei de viver, foi este um exercício sustentado numa idea de mobilidade radical – mais terapêutica/reparadora do que conceptual –, uma oportunidade para me (re)encontrar ou para continuar a perder-me nesse movimento lento, quase parado, que me acompanha desde sempre e quase sempre acaba por (me) desistir, que me oprime e abraça em doses equivalentes. O movimento é de fuga, não se deixem enganar! Nostofobia. Que já dizia o Herói Perdedor em "Lamento Imenso", ouvindo Enrique Vila-Matas a reescrever Baudelaire: "Para escaparmos a um lugar, o melhor é deixarmo-nos ficar nele". Cheguei a Lisboa com um espetáculo construído em marcha lenta, e que será, espero, tão unplugged quanto o permitirem as normas de segurança do edifício. Não há escapatória possível: o mundo vai mesmo acabar. Quando é que paramos? Ainda sonho com o dia é que será possível bloquear todas as saídas de emergência; propor um sítio para não sair, quiçá adormecer. Que já dizia o Herói Perdedor em “Vou A Tua Casa” (2003): "Era tão bom que o teatro (a arte e o edifício) fosse uma casa". Estou/estamos sempre em falta. Vai estrear agora; por mim não estreava nunca. Fica aqui a tragicómica promessa.
Durante a viagem que arrancou de Helsínquia a 25 de Agosto e chegada a Lisboa a 12 de Outubro de 2025, realizaram-se encontros, performances, encontros-como-performances, performances-como-encontros e outros eventos e experiências públicas e/ou privadas, e em diálogo com os parceiros do projeto STAGES. Cada encontro reuniu artistas, investigadores, cientistas, diretores e outros agentes locais em torno de questões como: mobilidade (radical), hospitalidade e sustentabilidade/sustentação psicossocial. Os meios de transporte utilizados durante a viagem foram sempre os de menor pegada de carbono.
Diário de Bordo
Paragens:
Estocolmo (Suécia)
Riga (Letónia)
Vilnius (Lituânia)
Varsóvia (Polónia)*
Berlim (Alemanha)
Praga (Chéquia)*
Budapeste (Hungria)
Zagreb (Croácia)
Maribor/Ljubljana (Eslovénia)*
Veneza/Bolonha/Milão (Itália)
Lausanne (Suíça)
Luxemburgo*
Liège/Ghent (Bélgica)
Paris (França)
Amares (Portugal)*
Lisboa (Portugal).
* (atividades organizadas independentemente)
Clickar no mapa para aceder:
Itinerário
_geologia de um regresso a casa
Criação, texto, direção artística e interpretação_Rogério Nuno Costa
Desenho de luz, vídeo e direção técnica_Roger Madureira
Desenho de som_Vasco Zentzua
Colaboração dramatúrgica_Susana Mendes Silva
Investigação e consultoria científica_Aida Castro, Alexandra Polido, Manuel Bogalheiro e Sara Moreno Pires
Entrevista_André Barata
Design gráfico e ilustração_Jani Nummela
Fotografia_Alípio Padilha
Direção de produção_Cláudia Teixeira
Assistência técnica_Marcos Simões
Gestão administrativa e financeira_Sufoco Associação Cultural
Coprodução_Teatro Nacional D. Maria II
Apoios_O Espaço do Tempo, Festival Paragem/Bóia – Associação Cultural, Festival END, Festival Citemor, Festival Contradança/ASTA Teatro e Outras Artes, c.e.m – centro em movimento, Ballet Contemporâneo do Norte, IHME Helsinki/Vihreä Taide, O Lugar do Meio, Recover Laboratory, Rota Clandestina, Teatro Praga, New Theatre Helsinki, Inestética
Produção integrada no STAGES – Sustainable Theatre Alliance for a Green Environemental Shift, um projeto cofinanciado pela Uni
ão Europeia
M/12
ESTREIA:
29 OUTUBRO - 2 Novembro 2025
Sala Estúdio Valentim de Barros / Teatro Nacional D. Maria II
Lisboa, Portugal
Fotos promocionais © Alípio Padilha











